Decoração interna do Ambitus Studio, em Fanhais, Nazaré.
Naquele outubro de 2013, a brasileira Maya Gabeira esteve a segundos de perder a vida ao tentar surfar uma onda gigante na cidade portuguesa de Nazaré. Foi socorrida, desacordada, por Carlos Burle. Num gesto de coragem, ele entrou no mar em um jet-ski e a resgatou em meio à espuma. Caso tivesse hesitado um só instante, os dois teriam sido arremessados contra as pedras. Maya sofreu lesão no tornozelo, fez duas cirurgias de coluna e precisou recorrer à psicanálise para se recuperar. Muitos, no lugar dela, teriam largado o surf. Mas Maya não é uma pessoa comum. Além do tratamento especializado que recebeu, ela adicionou sua própria fórmula ao processo de superação do trauma: decidir morar em Nazaré e conviver diariamente com aquelas ondas que quase a mataram. A receita funcionou. Dois anos depois, ela se tornaria a primeira mulher a surfar uma onda de mais de 20 metros de altura – conquista devidamente registrada no Guinness Book.
Ali estava eu a lembrar da história de Maya Gabeira, no instante em que adentrava, de carro, a Freguesia de Nazaré ao lado de Ana Ruth, Tahina Rahary e o seu filho Daniel.
Também tentava, ao meu modo, superar as marcas da vida e prosseguir com a música depois de tantos tombos, ondas e espuma do percurso.
Havíamos chegado à Aldeia de Fanhais quando, em meio ao ermo da estradinha, avistamos uma inesperada vivenda. Era ali o nosso destino. Ao passar de carro por um grande portão automático, fomos recebidos pelo dono, Mário, e conduzidos ao Ambitus Studio. Tudo ali, e também na casa, que conheceríamos no jantar oferecido por Mário e sua esposa, tinha o toque pessoal do anfitrião. Instrumentos musicais por toda a parte, inclusive na decoração, não deixavam dúvidas quanto à sua ocupação principal de engenheiro de som e músico. Juntou-se a nós o tecladista e acordeonista Luis e o time estava completo. Durante cerca de 12 horas, regidos por Tahina e suas partituras para os instrumentos, gravamos as bases e vozes de duas canções. Uma delas é Abracadabra, que lanço aqui em primeira mão (da outra falarei em momento oportuno).
Voltei duas vezes a Fanhais com Tahina Rarary, para concluir o trabalho. Então, éramos apenas nós e o Mário, a regravar ou adicionar vozes, editar, mixar (ou misturar, como se diz em Portugal) e masterizar as faixas. O resultado você pode ouvir aqui, numa fusão de experiências e sonoridades que passam por Madagascar, passeiam pelo Brasil e deságuam em Portugal, bem próximo de onde Maya Gabeira viveu o seu maior drama e a sua maior vitória.
Abracadabra é uma das melhores canções que ouvi em muitos anos. Há muito tempo não ouvia nada que grudasse tanto em meus ouvidos, que me despertasse a vontade de ouvir muitas vezes, como nos bons tempos da nossa melhor MPB. Uma grata surpresa desse artista cuja obra acompanho há décadas, sempre com interesse renovado. Surpresa não é a palavra exata, porque a preocupação com a qualidade musical, a inspiração melódica, além do cuidado com as letras, sempre com algo a dizer, são uma constante em Tiago Araripe. Parabéns, e que venham novas mágicas e encantamentos como este alegrar nossa vida e nosso país.