Pedro Rogério, no apartamento onde mora com a família, em Fortaleza.
No texto que publiquei semana passada neste blog, mencionei uma viagem ao norte da Espanha, na boa companhia de Pedro Rogério e família. De um comentário que fez à postagem, nasceu o convite para que contasse aqui algo de um tema que lhe é caro. Como escreveu ele:
Inevitavelmente me lembro da minha tese doutoral (...) A viagem como um princípio na formação do habitus dos músicos que na década de 1970 ficaram conhecidos como Pessoal do Ceará.
Além de ter uma sólida trajetória acadêmica, Pedro é radialista, músico e autor de dois livros. É também meu amigo e parceiro musical. Com a palavra, Pedro Rogério.
Eu venho desde menino,
desde muito pequenino,
cumprindo o belo destino
que me deu Nosso Senhor.
(Patativa do Assaré) O tema viagem me encanta desde antes de eu nascer. É que trago o nome de meu avô – Pedro Rogério de Aguiar – um aviador cearense que sobrevoava Itapipoca (cidade do interior do Ceará) com um monomotor passando a pequena aeronave entre as torres da igreja, para desespero da minha avó – Dona Monavom – e para delírio da meninada que via aquela acrobacia nos ares da pequena cidade.
Grande parte dos músicos e cantores ainda hoje trazem em seu fazer o encanto dos menestréis e trovadores. Desenvolvem narrativas de seu tempo, nos levam ao passado, estimulam nossa imaginação projetando o futuro e nos fazem viajar em suas canções: “Nascido pela Ingazeiras, criado no oco do mundo” (passado); “meus sonhos descendo ladeiras, varando cancelas, abrindo porteiras” (em busca do futuro). “Sem ter o espanto da morte, nem do ronco do trovão” (coragem presente de se lançar no desconhecido) – citações da canção Ingazeiras, de Ednardo.
Desconfio que essa habilidade vem da disposição do próprio músico se lançar em viagem em busca de encontrar seu público - “Todo artista tem de ir aonde o povo está” (Milton Nascimento e Fernando Brant).
O texto “O Velho Mundo, novo em folha aos nossos olhos. E aos nossos sonhos” de Tiago Araripe, e especialmente nosso encontro (Tiago, Ana Ruth, Pedro, Cris e Sarinha) nesse velho mundo que se renova em nossos olhares, me despertou novamente para esse tema homérico que nos remete a Ulisses em sua odisseia.
Podemos perceber a grandeza dessa aventura de tornar-se viajante, pelas palavras de Rosana Suarez, quando afirma que “A ‘grande viagem’ de Bildung é a experiência da alteridade. Para tornar-se o que é o viajante experimenta aquilo que ele não é, pelo menos, aparentemente. Pois está subentendido que, no final desse processo, ele reencontra a si mesmo.”
No caminho,
o caminho revela o caminhante,
no caminho revela-se o caminhante,
o caminho se revela no caminhante,
no caminho revelam-se caminho e caminhante.
Viagem é sempre mudança, é sempre renovação, caminho, caminhar, descoberta, peregrinar, migrar, mudar o ponto de vista, mudar os referenciais, vestir outras roupas das novas culturas e reinventar-se na estrada.
Mas... O que muda? Como muda? Quais as consequências da mudança? Só o viajar dirá.
Viajar causa saudade e pode causar saúde. A viagem enriquece o paladar, o olfato, novas texturas da vegetação, dos montes, montanhas, rios, mares. Novas cores no olhar.
Viajar muitas vezes requer preparação – nos aspectos objetivos e subjetivos. Gera aprendizagens sobre como lidar com a ruptura, a imprevisibilidade, as novas necessidades.
Fica claro, pois, que seguir viagem é também seguir um curso de aprendizagem. A viagem implica uma rota de aprendizagens.
Aqui eu sou capaz de ir além
Mesmo estando aqui no meu lugar
Muitos lugares onde quero ir
E o infinito para navegar
("Bem Aqui" - Tiago Araripe)
Pedro Rogério - Professor da Universidade Federal do Ceará - UFC. Pós-Doutorado em Psicologia Social pela Universidad de Valladolid; Doutor em Educação / Eixo Ensino de Música pela UFC (2011). Mestre em Educação pela UFC (2006). Graduado em Música - Licenciatura - pela Universidade Estadual do Ceará (2000). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC e do Mestrado Profissional em Artes - PROFARTES, Coordenador do Grupo de Pesquisa e Estudos da Música Cearense - GRUPECE e do Laboratório de Epistemologia da Música da UFC. Professor Associado do Instituto de Cultura e Arte da UFC. Autor dos livros “Pessoal do Ceará: ‘habitus’ e campo musical na década de 1970” e “Mestre Herculano: O Amansador”. Organizou 6 coletâneas de artigos científicos publicados pela UFC e artigos em periódicos científicos sobre Educação Musical.
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