O poeta e pesquisador Assis Lima, organizador do livro
Cartas da Juventude - Crônicas de Época, Recortes Autoetnográficos.
Assis Lima e eu nos tornamos amigos quando ainda morávamos no Crato. Juntos a outros estudantes, fundamos um jornalzinho chamado Vanguarda, impresso na mesma gráfica que rodava o principal periódico da cidade. Toda a equipe trazia o idealismo de uma geração e certa avidez por encontrar na cultura, em especial na música, na literatura e no cinema, alento e perspectiva para as nossas vidas. Líamos muito, escrevíamos e compartilhávamos informações com frequência.
Quando nos coube cumprir o rito de estudar na cidade grande, cada um seguiu seu rumo, mas, durante alguns anos, continuamos a nos comunicar por meio de cartas.
Assis teve a disciplina de guardar a correspondência recebida de seis daqueles jovens de então, cinco deles moradores do Crato. E teve a paciência de, décadas depois, digitá-las e transformá-las no projeto do livro do qual é mentor e organizador: Cartas da Juventude - Crônicas de Época e Recortes Autoetnográficos. Uma breve sinopse desse seu trabalho seria mais ou menos assim:
No difícil período da vida brasileira marcado pela ditadura militar, seis jovens comentam, por meio de cartas, suas descobertas e (in)decisões. Um rito de passagem muitas vezes duro, mas necessário.
Com 400 páginas e primorosa edição da Confraria do Vento, o livro reúne novamente aqueles amigos sob nova perspectiva, dando-lhes a oportunidade de relerem e comentarem suas antigas cartas, com o distanciamento que o tempo e as vivências de cada um permitiu.
A correspondência é marcada por uma trilha sonora constituída por nada menos que 60 músicas citadas ao longo do volume. Elas podem ser ouvidas na playlist criada em especial para a divulgação do lançamento online da publicação (clique na imagem ao lado pra acessar).
Você está convidado(a) para a live de lançamento do livro. Será neste domingo, 21 de março, às 19 (horário de Brasília), com transmissão pelo canal Confraria do Vento Lançamentos, no YouTube.
As cartas falam, inclusive, de canções que Assis Lima e eu fizemos na época, infelizmente perdidas nos arquivos e na memória. Importante dizer que a parceria musical foi retomada a partir do fazer do livro e está em andamento. Pelo menos uma nova canção da dupla já saiu do forno.
Convidei Assis a comentar aqui Cartas da Juventude, e publico a seguir o que ele me escreveu - agora tendo o e-mail como canal de comunicação a substituir a correspondência por via postal.
"CARTAS DA JUVENTUDE É A CONCRETIZAÇÃO DE UM SONHO QUE COMEÇOU HÁ 30 ANOS"
Capa do livro e "orelhas", abertas, com trabalho de colagem de Emerson Monteiro, um de seus autores.
"Tiago, parece incrível que se tenham passado 53 anos e mais alguns dias desde que recebi, datada de 12/02/1968, uma primeira carta tua, iniciando uma correspondência que, em distintas formas, se mantém até hoje.
Naquele tempo, alguns de nós partimos, saindo do Crato, cheios de sonhos, para continuar os estudos fora. Cada um com sua mala, de cuja alça se alçava um projeto de vida que, graças a Deus, continua em construção. És tu mesmo um exemplo literal e reatualizado disso.
Naquele tempo, era muito forte o efeito que as cartas tinham sobre nós. A figura do carteiro tinha algo de mensageiro mítico, trazendo as notícias amigas num tempo que por vezes parecia mais real até do que hoje, quando se tem a instantaneidade das mensagens banalizadas via Internet. Mas somos e sempre fomos caminhantes e nautas, então, tudo a favor do bom uso da Internet. Este teu blog que o diga. O que é impressionante é o ritmo por vezes avassalador com que as novas linguagens nos capturam.
Cartas da Juventude é a concretização de um sonho que começou a se delinear há pelo menos 30 anos (1990), quando me dei conta de que havia guardado toda a correspondência de amigos de uma época em que se escreviam cartas, de próprio punho a princípio, e depois também datilografadas. Amigos que, como eu, cruzavam já algumas décadas e todos estávamos (estamos) vivos.
Guardei-as não por saudosismo, mas pelo registro de vida entrelaçada e o anelo, as aspirações, os sonhos. Sonhos de vida, no caso, o que não exclui os sonhos propriamente. Ou, como tentei dizer ao apresentar o projeto, um jeito de buscar o fio da meada do herói que, de algum modo, desejamos ser – nossa geração – na juventude. E o melhor: são cartas bem escritas, espontâneas e vivas.
Há sempre algo arquetípico, algo em comum, na experiência de jovens de qualquer época, de qualquer geração. Então minha esperança é a de que esse conjunto de experiências sirva a alguém.
"ESTE REGISTRO PESSOAL, AUTOETNOGRÁFICO, DE ALGUM MODO NOS VEM LIVRAR DO ESQUECIMENTO OU DO COMPLETO DESTERRO."
"Tiago, teu capítulo é uma espinha dorsal no livro, pelo maior volume de cartas e pelo tempo de correspondência em momentos alternantes, significativos, ao longo do período. De suma importância teu cuidado com a revisão e as sugestões para a arte final do livro. Tua autobiografia, escrita em firme e fina prosa, é um dos privilégios da obra. Uma autobiografia realmente escrita pelo próprio biografado!
Todos os outros autores do livro trazem também sua marca e originalidade:
Eugênio Gomez (único que não passou pelo Crato) é médico e compositor. Um talento de Minas Gerais, dono de uma obra musical extensa, rica, original e, ainda, praticamente inédita.
José Esmeraldo Gonçalves, jornalista com brilhante carreira no Rio, cratense da gema, autor do prefácio e de outras pérolas do livro. Imperdível seu texto: Apocalípticas e desintegradas.
Flamínio Araripe, jornalista e fotógrafo. Em seu percurso na área de jornalismo científico, atuou em tecnologia da informação, biotecnologia, educação tecnológica e Universidade. Alpinista de si e de paradigmas. Um amigo invicto.
Pedro de Lima, professor universitário aposentado, com formação em arquitetura e antropologia social. Poeta, escritor e xilogravador. Pesquisador e autor de livros sobre história da cidade e da arquitetura, tem obras publicadas e inéditas. Força e brilho.
Emerson Monteiro, cearense de Lavras da Mangabeira, radicado em Crato, é advogado, amante das artes visuais (fotografia e colagens) e da literatura, publicou livros de crônicas, contos e narrativas autobiográficas. É dele a imagem da capa. Um buscador das pegadas que o homem faz e o vento desmancha nas paisagens saarizadas.
Na verdade, esta última frase, que recebi como que psicografada, é uma brincadeira com Emerson, espírita e espiritualista e um dos entusiastas deste trabalho. Agradeço a todos, sem esquecer de Ana Cecília de Sousa Bastos, que introduz o livro.
Agradecimento especial à editora Confraria do Vento, na pessoa de Karla Melo, pela entusiástica receptividade ao projeto e a Victor Paes e Bianca Battesini, da equipe de coordenação editorial, pela dedicação e empenho. Juntos, conceberam um conceito original de edição onde os nomes dos autores nem aparecem na capa, mas se fazem valer em ambas as orelhas...
A presença de todos vem enriquecer este registro pessoal em forma de crônica, e de algum modo nos vem livrar, espero, do esquecimento ou do completo desterro.
Assis Lima
ASSIS LIMA é cearense do Crato. Médico pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especializou-se em Psiquiatria, em São Paulo. Mestre em Psicologia Social (USP). Autor do livro Conto popular e comunidade narrativa (1985, com Prêmio Sílvio Romero — Funarte). Organizou a coletânea Contos populares brasileiros – Ceará (2003). Coautor dos infantojuvenis Baile do menino Deus (1995), Bandeira de São João (2012), Arlequim de Carnaval (2011) e O pavão misterioso (2004), dentre outros. Autor de Poemas arcanos (2008), Marco Misterioso (2011) e Chão e sonho (2011, poesia), tendo publicado pela Confraria do Vento os livros Terras de aluvião (2016), Poemas de riso e siso (2017) e O código íntimo das coisas (2019).
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